
Recentemente, publicamos o artigo “Bitrem no transporte rodoviário internacional, por que não?”, no qual explicamos os principais motivos que inviabilizam a circulação desse tipo de combinação veicular através das fronteiras do Mercosul, mesmo já autorizado em operações internas de países-membros.
Nesta semana, damos continuidade ao tema aprofundando um aspecto crucial: o marco jurídico do transporte rodoviário internacional de cargas (TRIC) e os motivos pelos quais qualquer alteração nos acordos regionais costuma ser um processo longo e burocrático.
Procedimento para vigência das normas do Mercosul
Para garantir que as normas emanadas dos órgãos decisórios do Mercosul tenham vigência simultânea em todos os Estados Partes, deve-se observar o seguinte procedimento:
i) Após a aprovação de uma norma, cada Estado Parte deve adotar as medidas necessárias para sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional e comunicar a Secretaria Administrativa do Mercosul.
ii) Quando todos os Estados Partes confirmarem a incorporação em seus ordenamentos internos, a Secretaria Administrativa comunicará oficialmente o fato aos demais países.
iii) As normas passarão a vigorar simultaneamente nos Estados Partes 30 dias após essa comunicação.
iv) Dentro desse prazo, cada país deve dar publicidade ao início da vigência da norma em seu diário oficial.
Na prática, mesmo após um acordo consensual no âmbito do Mercosul e a aprovação formal como Resolução ou Decisão do GMC (Grupo Mercado Comum), cada Estado Parte precisa internalizar a norma segundo seus procedimentos legais internos e apenas depois comunicar ao bloco. Só então, 30 dias após a última comunicação, a norma entra em vigor.
Por que demora tanto?
Dois exemplos recentes demonstram como o processo pode se alongar:
- A Decisão GMC nº 15/19, que atualizou a legislação sobre produtos perigosos, levou cerca de cinco anos para concluir todas as etapas e entrar em vigor no início de 2025.
- O Acordo que alterou o 2º Protocolo de Sanções e Multas, reduzindo em 50% o valor das multas, ainda está em fase de internalização. Mesmo sendo um avanço importante para o setor, sua aplicação efetiva depende da conclusão desse processo.
Esse cenário evidencia a necessidade de desburocratizar os procedimentos e buscar alternativas legais que agilizem a entrada em vigor de normas consensuais.
Caminhos para acelerar
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), como coordenadora da Delegação Brasileira no SGT-5, tem buscado alternativas junto ao Ministério das Relações Exteriores (MRE) para viabilizar formas de antecipar a aplicação de normas, inclusive por meio de acordos bilaterais.
O Ministro João Carlos Parkinson, coordenador nacional dos Corredores Rodoviário e Ferroviário Bioceânicos do MRE, tem participado quando possível nas reuniões bilaterais e multilaterais, o que tem sido importante para apresentar os prejuízos causados pelas demoras burocráticas e defender soluções pragmáticas.
Entre as possibilidades em análise está a aplicação dos artigos 18 e/ou 25 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), proposta inicialmente pela Delegação do Chile e aprimorada pelo Uruguai. Caso seja aceita, essa alternativa poderia antecipar a entrada em vigor de certos acordos antes da conclusão da internalização por todos os Estados Partes.
Um parecer definitivo sobre essa questão é esperado para a próxima reunião do Subgrupo de Trabalho nº 5 (SGT-5) sobre transportes do Mercosul, marcada para os dias 15 e 16 de outubro, em Brasília.
Sobre a Convenção de Viena
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), adotada em 1969 e em vigor desde 1980, é um dos mais importantes instrumentos internacionais, conhecido como o “Tratado dos Tratados”. Ele estabelece as regras para a elaboração, interpretação e aplicação de tratados entre Estados soberanos, harmonizando o direito internacional consuetudinário e servindo como base para negociações multilaterais, como as do Mercosul.