Em junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322 e declarou inconstitucionais trechos da Lei 13.103/15 – conhecida como Lei do Motorista.
A ação julgada foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes (CNTT) e os pontos considerados inconstitucionais são referentes a jornada de trabalho, pausas para descanso e repouso semanal. Confira cada uma das mudanças e seus impactos no setor de transporte rodoviário de cargas.
Fracionamento de períodos de descanso
Foram considerados inconstitucionais os dispositivos que admitem a redução do período mínimo de descanso, mediante seu fracionamento, e sua coincidência com os períodos de parada obrigatória do veículo.
Agora, o intervalo deverá ser de 11 horas seguidas dentro das 24 horas de trabalho.
No mesmo sentido, o fracionamento e acúmulo do descanso semanal foi invalidado, e o motorista deverá, a cada seis dias, usufruir desse descanso.
Tempo de espera
O Plenário também derrubou ponto da lei que excluía da jornada de trabalho e do cômputo de horas extras o tempo em que o motorista ficava esperando pela carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria.
Segundo o ministro, o motorista está à disposição do empregador durante o tempo de espera, e a retribuição devida por força do contrato de trabalho não poderia se dar em forma de 'indenização', por se tratar de tempo efetivo de serviço.
Descanso em movimento
A possibilidade de descanso com o veículo em movimento, quando dois motoristas trabalharem em revezamento, foi invalidada.
Consequências econômicas
Um dos principais impactos esperados pelas mudanças no setor é o aumento dos custos operacionais da logística. Isso implica em um aumento na folha de pagamento, encargos trabalhistas e desvantagens para os próprios motoristas.
A ABTI lembra que o acúmulo do descanso semanal remunerado permitia aos motoristas de viagens de longa distância usufruir de descanso semanal prolongado quando retornassem à sua base, garantindo que o motorista tivesse tempo com a família e para lazer. Antes, era possível acumular até três descansos semanais.
Com a ADI, todo o período em que o motorista estiver à disposição será considerado jornada de trabalho, junto da proibição do fracionamento do descanso, essas medidas devem gerar redução da produtividade e a necessidade de infraestrutura adicional, como mais pontos de parada e descanso ao longo das rodovias, o que demandará alterações nas operações logísticas das empresas.
Segundo estudo do o Sindicato das Empresas Transportadoras de Combustíveis e Derivados de Petróleo do Estado de Minas Gerais (Sindtanque), uma viagem de um caminhão, que dura dois dias, pode levar até quatro, e aumentar em 40%, ou mais, o custo do transporte no Brasil.
Outro motivo para o aumento de custos será a necessidade de pagar horas extras aos caminhoneiros, já que a decisão do STF decidiu pela inconstitucionalidade do pagamento de verba indenizatória pelo tempo de espera (parado ou descansando).
Com base no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, se antes a indenização do tempo de espera era realizada à razão de 30% do salário-hora, a partir dessa decisão o tempo deverá incorporar o expediente laboral e ser remunerado com o adicional legal mínimo de 50%.
A ABTI destaca ainda as incongruências das mudanças com a realidade do transporte internacional, que lida com horários e prazos aduaneiros que precisam ser respeitados, podendo ocorrer transtornos em toda a cadeia logística caso o motorista esteja em descanso e não possa fracioná-lo para seguir viagem no prazo necessário por impedimentos legais.
O que acontece agora?
Até o momento, não houve pronunciamento quanto aos eventuais efeitos modulatórios da decisão do Supremo Tribunal Federal, o que traz insegurança jurídica em torno do assunto.
A assessoria jurídica da ABTI, Zanella Advogados Associados, explica que não é possível reverter uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e que o entendimento geral dos advogados é de que as mudanças na Lei dos Motoristas já estão valendo e os novos contratos com motoristas devem levá-las em conta.
Outra leitura do caso afirma que as mudanças valerão após a decisão do acórdão – decisão do órgão colegiado do tribunal, que ainda não foi publicado.
Nesta situação, a medida cabível para se conseguir uma reclassificação dos pontos considerados inconstitucionais é através de um embargo declaratório que poderá ser interposto após a publicação do acórdão, para sanar omissão, dúvida ou contradição ocorrida na decisão proferida pelo relator.
O embargo, contudo, não tem o poder de alterar a essência da decisão, e serve apenas para sanar os pontos que não ficaram claros ou que não foram abordados.